Vimos, por meio desta nota de repúdio, manifestar nossa indignação em relação ao despacho publicado pelo Ministério da Saúde, no dia 03 de maio de 2019, quanto ao tema da Violência Obstétrica.
Somos uma Escola que prima o atendimento ético e responsável que todos os Profissionais da Parentalidade (qualquer profissional que preste assistência às mulheres gestantes durante a gravidez, o parto ou pós-parto) devem ter. Nossa missão visa a formação, profissionalização, discussão e contribuição para a melhor assistência à perinatalidade. Por essa razão, entendemos ser fundamental, e até mesmo urgente, a ampliação da discussão sobre o tema da Violência Obstétrica. Por isso, nosso posicionamento nessa manifestação, quanto a alguns pontos que nos pareceram questionáveis no referido Despacho.
A Violência Obstétrica
Concordamos com o Ministério da Saúde, que ainda não existe um consenso quanto ao conceito de Violência Obstétrica. De fato, a literatura da área ainda não é concorde quanto definição desse termo, o que favorece uma situação conflituosa. Por isso, observa-se uma grande amplitude de abrangência do conceito. Desta forma, considera-se a violência obstétrica desde o não oferecimento de água para a parturientes, até o uso de violência física durante o parto. Assim, os profissionais se tornam verdadeiros algozes. Havendo um descaso e total desrespeito à mulher, ao bebê, à família, descaracterizando o seu lugar de sujeito e humano.
Enquanto não existe uma definição sobre o tema, a interpretação dos fatos é particular, individual e subjetiva. A subjetividade de um tema tão importante coloca em risco a adequada assistência à mulher durante todo o ciclo gravídico-puerperal.
Avanços científicos
Felizmente, percebemos grandes avanços no meio científico e acadêmico que lançam luz e contribuem significativamente para a definição e melhor compreensão do que seja Violência Obstétrica. Podemos, brevemente, aqui, citar os estudos de Assis (2018), Sanfelice e Shimo (2014), Rodrigues (2015), Rodrigues et al (2017), Oliveira e Pena (2017), Guimarães, Jonas e Amaral (2017), Andrade et al (2016), Zanardo et al (2016), Sena e Tesser (2016) entre tantos outros.
A leitura desses e os demais estudos sobre o tema nos mostram que não é possível negar sua existência. Assim, acreditamos que é preciso ampliar os estudos sobre a Violência Obstétrica, suas consequências e, então, cientificamente, chegar a uma adequada definição.
Além disso, o próprio Ministério da Saúde, em seu blog (Blog da Saúde), fala sobre a Violência Obstétrica e tenta encontrar uma definição ou forma de identificação. Nos portais de acesso do Ministério da Saúde, o próprio órgão cita a Rede Cegonha como um importante agente de identificação, denúncia e prevenção contra a violência obstétrica.
No entanto, outras instituições e ONGs também se manifestam sobre a Violência Obstétrica. Como a Fiocruz, Artemis, Rehuna, além de órgãos como a Defensoria Pública de São Paulo. Assim como a Câmara Legislativa do Mato Grosso do Sul que aprovou uma legislação que reconhece e combate a violência obstétrica.
O uso da força física
O Ministério da Saúde defende em seu despacho que o conceito de violência deve estar relacionado ao “uso intencional de força física ou poder…”. E, conclui que esse parâmetro também deve balizar a definição da violência obstétrica. Ou seja, deve estar evidente na violência obstétrica a intencionalidade ou não do ato por parte do agressor.
Entretanto, tomar apenas esse critério de intencionalidade para caracterizar uma violência, seria necessário rever, então, todas as legislações sobre a violência contra a mulher. Especialmente a Lei Maria da Penha, como nos casos de violência domiciliar, violência institucional, violência sexual, violência psicológica, entre tantas outras; cujo agressor, na maioria das vezes, alega que não queria chegar ao resultado violento alcançado, ou que estava sob efeito de álcool e/ou outras drogas.
Seria mais uma vez, reduzi-la às instâncias subjetivas, especialmente, as vivenciadas pelo seu perpetrador. Ademais, preferimos acreditar, que ao cometer uma violência obstétrica, o médico ou qualquer outro profissional da parentalidade não tenha, verdadeiramente, a intenção de prejudicar a sua vítima.
Desta forma, nos parece que ela ocorre pela força do hábito, por deficiências ou desatualização na formação acadêmica, por falta de educação continuada entre outros. Portanto, ter ou não a intenção de cometer um ato, não minimiza os seus efeitos negativos na vivência da vítima.
Ministério da Saúde
Também, nos surpreendemos, negativamente, ao ler no número 09 do despacho, em que o Ministério da Saúde compreende que o termo “violência obstétrica”. Á princípio, ele não explica o que acontece entre mulheres e bebês e os profissionais de saúde (das diversas áreas que assistem a gestante, a parturiente ou a puérpera), no que tange à violência. Não conseguimos encontrar outra nomenclatura para esse fato que não seja similar à violência obstétrica.
Por fim, compreendemos que esse documento, emitido por um órgão governamental, desqualifica os estudos sobre a Violência Obstétrica. Suas evidências e consequências, além de ir contra com todo o movimento de respeito e humanização no atendimento e atenção à gestante, parturiente e puérpera.
Sendo assim, acreditamos que tanto a falta de definição, a utilização do critério da intencionalidade, quanto a falta de nomeação e uso adequado do termo “violência obstétrica” impedem a punição dos responsáveis pelo ato.
Impedem também a superação e processamento psíquico da vítima, a identificação do agente agressor e da vítima, a criação de medidas de prevenção. Além de não oferecer a verdadeira humanização na assistência à mulher e ao bebê durante o trabalho de parto e parto.
Um órgão como o Ministério da Saúde deva estar atento à todas as demandas e necessidades envolvidas e defender aquele que realmente se propõe a proteger, em última instância, a usuária. Um ato como o de tal despacho coloca em risco a saúde e integridade (física, psíquica e social) da mulher no ciclo gravídico-puerperal e, por consequência, de seu bebê e de sua família.
Esperamos poder contribuir com maior dedicação e o merecido respaldo que o tema Violência Obstétrica exige.
Alessandra Arrais, Bianca Amorim e Luciana Rocha
Crédito da Imagem: BenCorp